sábado, 31 de janeiro de 2009

Adiamento







"Depois de amanhã, sim, só depois de amanhã...
Levarei amanhã a pensar em depois de amanhã,
E assim será possível; mas hoje não...
Não, hoje nada; hoje não posso.
A persistência confusa da minha subjetividade objetiva,
O sono da minha vida real, intercalado,
O cansaço antecipado e infinito,
Um cansaço de mundos para apanhar um elétrico...
Esta espécie de alma...
Só depois de amanhã...
Hoje quero preparar-me,
Quero preparar-rne para pensar amanhã no dia seguinte...
Ele é que é decisivo.
Tenho já o plano traçado; mas não, hoje não traço planos...
Amanhã é o dia dos planos.
Amanhã sentar-me-ei à secretária para conquistar o rnundo;
Mas só conquistarei o mundo depois de amanhã...
Tenho vontade de chorar,
Tenho vontade de chorar muito de repente, de dentro...

Não, não queiram saber mais nada, é segredo, não digo.
Só depois de amanhã...
Quando era criança o circo de domingo divertia-rne toda a semana.
Hoje só me diverte o circo de domingo de toda a semana da minha infância...
Depois de amanhã serei outro,
A minha vida triunfar-se-á,
Todas as minhas qualidades reais de inteligente, lido e prático
Serão convocadas por um edital...
Mas por um edital de amanhã...
Hoje quero dormir, redigirei amanhã...
Por hoje, qual é o espetáculo que me repetiria a infância?
Mesmo para eu comprar os bilhetes amanhã,
Que depois de amanhã é que está bem o espetáculo...
Antes, não...
Depois de amanhã terei a pose pública que amanhã estudarei.
Depois de amanhã serei finalmente o que hoje não posso nunca ser.
Só depois de amanhã...
Tenho sono como o frio de um cão vadio.
Tenho muito sono.
Amanhã te direi as palavras, ou depois de amanhã...
Sim, talvez só depois de amanhã...

O porvir...
Sim, o porvir...
"



Álvaro de Campos

quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

" Há certas horas, em que não precisamos de um Amor...
Não precisamos da paixão desmedida...
Não queremos um beijo na boca...
E nem corpos encontrarem-se na maciez de uma cama...

Há certas horas que só queremos uma mão no ombro,
o abraço apertado ou mesmo o estar ali, quietinho, ao lado...
Sem nada dizer...

Há certas horas, quando sentimos que estamos para chorar,
que desejamos uma presença amiga,
a nos ouvir paciente, a brincar com a gente, a fazer-nos sorrir...

Alguém que ria das nossas piadas sem graça...
Que ache as nossas tristezas as maiores do mundo...
Que nos teça elogios sem fim...
E que apesar de todas essas mentiras úteis,
nos seja de uma sinceridade inquestionável...

Que nos mande calar ou nos evite um gesto impensado...
Alguém que nos possa dizer:
Acho que estás errado, mas estou do teu lado...
Ou alguém que apenas diga:

Sou o teu Amor!

E estou Aqui! "


William Shakespeare

domingo, 25 de janeiro de 2009

Cantiga dos Ais

Os ais de todos os dias
os ais de todas as noites
ais do fado e do folclore
o ai do ó ai ó linda

Os ais que vêm do peito
ai pobre dele coitado
que tão cedo se finou

Os ais que vêm da alma
ais d'amor e de comédia
ai pobre da rapariga
que se deixou enganar
ai a dor daquela mãe

Os ais que vêm do sexo
os ais do prazer na cama
os ais da pobre senhora
agarrada ao travesseiro
ai que saudades saudades
os ais tão cheios de luto
da viúva inconsolável

Ai pobre daquele velhinho
ai que saudades menina
ai a velhice é tão triste

Os ais do rico e do pobre
ai o espinho da rosa
os ais do António Nobre
ais do peito e da poesia
e os ais doutras coisas mais
ai a dor que tenho aqui
ai o gajo também é
ai a vida que tu levas
ai tu não faças asneiras
ai mulher és o demónio
ai que terrível tragédia
ai a culpa é do António

Ai os ais de tanta gente
ai que já é dia oito
ai o que vai ser de nós

E os ais dos liriquistas
a chorar compreensão

Ai que vontade de rir
E os ais do D. Dinis
ai Deus e u é

Triste de quem der um ai
sem achar eco em ninguém

Os ais da vida e da morte
ai os ais deste país

Mendes de Carvalho

Meditação na Pastelaria

Por favor, Madame, tire as patas,
Por favor, as patas do seu cão
De cima da mesa, que a gerência
Agradece.

Nunca se sabe quando começa a insolência!
Que tempo este, meu Deus, uma senhora
Está sempre em perigo e o perigo
Em cada rua, em cada olhar,
Em cada sorriso ou gesto
De boa-educação!

A inspecção irónica das pernas,
Eis o que os homens sabem oferecer-nos,
Inspecção demorada e ascendente,
Acompanhada de assobios
E de sorrisos que se abrem e se fecham
Procurando uma fresta, uma fraqueza
Qualquer da nossa parte...

Mas uma senhora é uma senhora.
Só vê a malícia quem a tem.
Uma senhora passa
E ladrar é o seu dever – se tanto for preciso!

*
O pó de arroz:
Horrível!
O bâton:
Igual!

O amor de Raul é já uma saudade,
Foi sempre uma saudade...
(O escritório
Toma-lhe o tempo todo?
Desconfio que não...)

Filhos tivemos um:
Desapareceu...
E já nem sei chorar!

*
Chorar...
Como eu queria poder chorar!

Chorar encostada a uma saudade
Bem maior do que eu,
Que não fosse esta tristeza
Absurda de cada dia:
Unha
Quebrada de melancolia...

Perdi tudo, quase tudo...

Hoje,
Resta-me a devoção
E este pequeno inteligente cão.

Por favor, Madame, tire as patas,
Por favor, as patas do seu cão
De cima da mesa, que a gerência
Agradece.

Alexandre O'neill



Barbara

Rappelle-toi Barbara
Il pleuvait sans cesse sur Brest ce jour-lr
Et tu marchais souriante
Epanouie ravie ruisselante
Sous la pluie
Rappelle-toi Barbara
Il pleuvait sans cesse sur Brest
Et je t'ai croisée rue de Siam
Tu souriais
Et moi je souriais de meme
Rappelle-toi Barbara
Toi que je ne connaissais pas
Toi qui ne me connaissais pas
Rappelle-toi
Rappelle-toi quand meme ce jour-lr
N'oublie pas
Un homme sous un porche s'abritait
Et il a crié ton nom
Barbara

Et tu as couru vers lui sous la pluie
Ruisselante ravie épanouie
Et tu t'es jetée dans ses bras
Rappelle-toi cela Barbara
Et ne m'en veux pas si je te tutoie
Je dis tu r tout ceux que j'aime
Meme si je ne les ai vus qu'une seule fois
Je dis tu r tout ceux qui s'aiment
Meme si je ne les connais pas
Rappelle-toi Barbara
N'oublie pas
Cette pluie sage et heureuse
Sur ton visage heureux
Sur cette ville heureuse
Catte pluie sur la mer
Sur l'arsenal
Sur le bateau d'Ouessant
Oh Barbara
Quelle connerie la guerre
Qu'es-tu devenue maintenant
Sous cette pluie de fer
De feu d'acier de sang
Et celui qui te serrait dans ses bras
Amoureusement
Est-il mort disparu ou bien encore vivant
Oh Barbara
Il pleut sans cesse sur Brest
Comme il pleuvait avant
Mais ce n'est plus pareil et tout est abîmé
C'est une plue de deuil terrible désolée
Ce n'est meme plus l'orage
De fer d'acier de sang
Tout simplement des nuages
Qui crcvent comme des chiens
Des chiens qui disparaissent
Au fil de l'eau sur Brest
En vont pourrir au loin
Au loin trcs loin de Brest
Dont il ne reste rien

Jacques Prévert

sábado, 24 de janeiro de 2009



"Ah, as horas indecisas em que a minha vida parece de um outro...
As horas do crepúsculo no terraço dos cafés cosmopolitas!
Na hora de olhos húmidos em que se acendem as luzes
E o cansaço sabe vagamente a uma febre passada.”



Álvaro de Campos

domingo, 18 de janeiro de 2009

If you love someone, set them free.
If someone loves you, don't fuck up.

Eddie Vedder

sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

O meu mundo tem estado à tua espera; mas
não há flores nas jarras, nem velas sobre a mesa,
nem retratos escondidos no fundo das gavetas. Sei

que um poema se escreveria entre nós dois; mas
não comprei o vinho, não mudei os lençóis,
não perfumei o decote do vestido.

Se ouço falar de ti, comove-me o teu nome
(mas nem pensar em suspirá-lo ao teu ouvido);
se me dizem que vens, o corpo é uma fogueira –
estalam-me brasas no peito, desvairadas, e respiro
com a violência de um incêndio; mas parto
antes de saber como seria. Não me perguntes

porque se mata o sol na lâmina dos dias
e o meu mundo continua à tua espera:
houve sempre coisas de esguelha nas paisagens
e amores imperfeitos – Deus tem as mãos grandes

Maria do Rosário Pedreira

quinta-feira, 15 de janeiro de 2009

"Quando eu morrer
meu amor eu fico vivo nos teus gestos e em teu riso
por isso nunca deixes de sorrir
pois para o nosso amor viver é só o que é preciso."


Manuel Cruz

segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

“Viajar, se não cura a melancolia, pelo menos, purifica.”


“ninguém possui verdadeiramente alguma coisa. As coisas do mundo pertencem a todos e, sobretudo, a quem aprendeu a nomeá-las”

Al Berto
in O Anjo Mudo

sábado, 10 de janeiro de 2009

As canseiras desta vida


As canseiras desta vida
tanta mãe envelhecida
a escovar
a escovar
a jaqueta carcomida
fica um farrapo a brilhar

Cozinheira que se esmera
faz a sopa de miséria
a contar
a contar
os tostões da minha féria
e a panela a protestar

Dás as voltas ao suor
fim do mês é dia 30
e a sexta é depois da quinta
sempre de mal a pior

E cada um se lamenta
que isto assim não pode ser
que esta vida não se aguenta
-o que é que se há-de fazer?

Corta a carne, corta o peixe
não há pão que o preço deixe
a poupar
a poupar
a notinha que se queixa
tão difícil de ganhar

Anda a mãe do passarinho
a acartar o pão pró ninho
a cansar
a cansar
com a lama do caminho
só se sabe lamentar

É mentira, é verdade
vai o tempo, vem a idade
a esticar
a esticar
a ilusão de liberdade
pra morrer sem acordar

É na morte ou é na vida
que está a chave escondida
do portão
do portão
deste beco sem saída
-qual será a solução?



José Mário Branco

sexta-feira, 9 de janeiro de 2009

Nem às Paredes Confesso


Não queiras gostar de mim
Sem que eu te peça
Nem me dês nada que ao fim
Eu não mereça

Vê se me deitas depois
Culpas no rosto
Isto é sincero
Porque não quero
Dar-te um desgosto

De quem eu gosto
Nem às paredes confesso
E até aposto
Que não gosto de ninguém

Podes sorrir
Podes mentir
Podes chorar também
De quem eu gosto
Nem às paredes confesso

Quem sabe se te esqueci
Ou se te quero
Quem sabe até se é por ti
Por quem eu espero

Se eu gosto ou não afinal
Isso é comigo
Mesmo que penses
Que me convences
Nada te digo

De quem eu gosto
Nem às paredes confesso
E até aposto
Que não gosto de ninguém

Podes sorrir
Podes mentir
Podes chorar também
De quem eu gosto
Nem às paredes confesso

Podes sorrir
Podes mentir
Podes chorar também
De quem eu gosto
Nem às paredes confesso


Amália Rodrigues

(poema de Artur Ribeiro, Ferrer Trindade e Max)

quinta-feira, 8 de janeiro de 2009

Sinkin' Soon



We're an oyster cracker on the stew,
And the honey in the tea,
We're the sugar cubes, one lump or two,
In the black coffee,
The golden crust on an apple pie,
That shines in the sun at noon,
We're a wheel of cheese high in the sky,
But we're gonna be sinkin' soon.I

n a boat that's built of sticks and hay,
We drifted from the shore,
With a captain who's too proud to say,
That he dropped the oar,
Now a tiny hole has sprung a leak,
In this cheap pontoon,
Now the hull has started growing weak,
And we're gonna be sinkin' soon.

We're gonna be
Sinkin' soon,
We're gonna be
Sinkin' soon,
Everybody hold your breath 'cause,
We're gonna be
sinkin' soon
We're gonna be
Sinkin' soon,
We're gonna be
Sinkin' soon,
Everybody hold your breath 'cause,
Down and down we go.

Like the oyster cracker on the stew,
The honey in the tea
The sugar cubes, one lump or two?
No thank you none for me.
We're the golden crust on an apple pie,
That shines in the sun at noon,
Like the wheel of cheese high in the sky
Well ... we're gonna be sinkin' soon.
Norah Jones

terça-feira, 6 de janeiro de 2009

Fica Proibido

Fica proibido chorares sem aprender,
levantar-te um dia sem saber o que fazer,
ter medo das tuas lembranças.

Fica proibido não sorrires para os problemas,
não lutar pelo que queres,
abandonar tudo por medo,
não transformares os teus sonhos em realidade.

Fica proibido não demonstrares o teu amor,
fazer com que alguém arque com as tuas dívidas e o teu mau humor.

Fica proibido deixares os teus amigos,
não tentar compreender o que viveram juntos,
telefonar-lhes só quando precisas deles.

Fica proibido não seres tu mesmo diante das pessoas,
fingir diante daquelas que não te importam,
fazer-te de interessante para que se lembrem de ti,
esquecer todos que te querem bem.

Fica proibido não fazeres coisas por ti mesmo,
não acreditar em Deus e fazer o teu destino,
ter medo da vida e dos seus compromissos,
não viver cada dia como se fosse o último.

Fica proibido sentires falta de alguém sem alegrar-te,
esquecer os seus olhos, o seu riso,
tudo porque os seus caminhos deixaram de se cruzar,
esquecer o teu passado e satisfazer-te com o teu presente.

Fica proibido não tentar compreender as pessoas,
pensar que as suas vidas valem mais do que a tua,
não saberes que cada um tem o seu caminho e a sua sorte.

Fica proibido não criares a tua história,
deixar de agradecer a Deus pela tua vida,
não ter um momento para as pessoas que precisam de ti,
não compreender que o que a vida te dá, também te tira.

Fica proibido não procurares a tua felicidade,
não viver a tua vida com uma atitude positiva,
não pensar que podemos ser melhores,
não sentir que sem ti este mundo não seria igual.


Pablo Neruda

domingo, 4 de janeiro de 2009

Eu




Eu sou a que no mundo anda perdida,
Eu sou a que na vida não tem norte,
Sou a irmã do Sonho, e desta sorte
Sou a crucificada... a dolorida...

Sombra de névoa ténue e esvaecida,
E que o destino, amargo, triste e forte,
Impele brutalmente para a morte!
Alma de luto sempre incompreendida!

Sou aquela que passa e ninguém vê...
Sou a que chamam triste sem o ser...
Sou a que chora sem saber porquê...

Sou talvez a visão que Alguém sonhou,
Alguém que veio ao mundo pra me ver
E que nunca na vida me encontrou




Florbela Espanca

sábado, 3 de janeiro de 2009


"Que de Infernos e Purgatórios e Paraísos tenho em mim - e quem me conhece um gesto discordando da vida... a mim tão calmo e tão plácido?



Eu não escrevo em português. Escrevo eu mesmo"




Livro do Desassossego - Fernando Pessoa

2009 - part.2

E cá está! Mais um novo ano que começa!!

Muitos estarão contentíssimos e a pensar “yeeeeeah! Já começou um novo ano! Felicidades para todos, muita alegria, muita saúde…” e todos esses blablablas que são repetidos todos os anos, quer seja por mensagens idealizadas por nós quer seja por ‘fast-mensagens (isto aplicando o termo fast-food, comida pré-feita). Este ano, para variar um pouco, os meus votos de bom ano e afins, foram enviados por e-mail e, claro está, todo ele escrito por mim, com pseudo piadas pelo meio…

No meu íntimo, gostava mesmo era de desejar coisas simples a todos, e como fiz nalguns casos: desejo a todos um ano cheio de sorrisos e surpresas boas. No entanto, não me posso esquecer que isso tudo, por vezes, implica lágrimas, algumas dores de cabeça, alguns nervos à flor da pele… pois a verdade é que a vida é um tanto confusa, e nós ainda temos tendência a complicá-la mais… e essas complicações têm os seus efeitos negativos, por vezes momentâneos, que depois levam a momentos bem mais saborosos e alegres. That’s life!

Espero que este ano, ninguém se esqueça de lutar pelo que realmente é dentro de si, que não o escondam e que não se fechem dentro do seu mundo. Gritem, esbracejem, esperneiem, saltem, brinquem, sorriam, chorem baba e ranho, riam como se não houvesse amanhã, desabafem, não guardem as coisas só para vocês. Mas, acima de tudo, sejam vocês mesmos, sejam UNICOS!

Um beijo*
P.S: no fim do dia, perguntem a vocês mesmos:
"Valeu a pena?! Tudo vale a pena se a alma não é pequena!" (F. Pessoa)

sexta-feira, 2 de janeiro de 2009

2009

Novo ano. Mais um ano...Bem vindo!

Que sejas...alegria, amigos, risos, cafés (muitos cafézinhos), boas notas (porque tb é preciso), amor...desamor (porque acontece).
Que sejas...conversas (pela noite e acerca de tudo), palavras (escrever, escrever, escrever), sentidos despertos e olhos atentos.
Que sejas...cor, realidade, sonho, pouca tristeza, choro de felicidade.
Que sejas...imagens, só imagens, imensas imagens, fotografia; clicks sem parar, clicks para captar tudo o que nos rodeia.
Que sejas...sons vários, sons de vida, sons da Natureza, música.

Que sejas...como nós, sem sentido, perdidos em pensamentos, mas bom.

Que sejas único! ^^